segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

a meninada toda se assanhou


Era, provavelmente, a vigésima sétima vez que eu mudava de posição. Preciso parar com isso. O cabo da internet tá com mau contato e eu tenho que colocar o computador numa posição estratégica pra ela não cair. Então, cada movimento é o meu corpo se adaptando à máquina (e o não o contrário). Quase sempre ela cai. Eu não sei nomear os nomes dos pontos de dor na minha coluna, mas certamente posso senti-los. Todos eles. Preciso parar com isso! Sair desse buraco criado pela minha bunda no sofá e ir imaginar um centro cultural no terreno baldio do lado da minha casa, beber água, ler o último capítulo daquele livro, me depilar, varrer a sala, ir no parque dos pássaros, orar muito mais, preciso parar com isso.

Um som meio estridente irrompe minha casa suja e silenciosa e eu fico meio-boba-meio-vidente tentando sacar o que é. Pára. Volta. Eu corro pra varanda e vejo: é uma banda do tipo irlandesa, dessas que tem gaita de fole (o som estridente). Que coisa curiosa – penso eu – um negócio desse em pleno Jardim Mariléia. Fico ouvindo mais um pouco pra ver se continuam.  Continuam. Corro no quarto pra pegar o celular, desço as escadas e fico ali, parada na frente do portão. Me sinto idiota no começo, mas logo eu vejo gente se aproximando pra fazer o mesmo que eu: parar, ver, ouvir e dar passagem. Todo mundo movido pelo mesmo motivo: curiosidade.

Olho pro lado e vejo que tô cercada por duas crianças. Uma delas é meu vizinho do outro lado da rua. A varanda do meu quarto dá pra varanda da sala dele. Vez em quando eu tô ali e me deparo com ele fazendo coisas ótimas, sem que me veja. Sempre quis conhecê-lo. Hoje, ele sorriu pra mim.
E foi então que eu me dei conta da beleza do que tava acontecendo. Pela música, as pessoas se encontraram. Moro nessa casa há um ano e não conhecia meus vizinhos de rua até hoje (apesar disso, me deu uma coisa meio-nostálgica-meio-feliz por morar no interior. A gente sai na rua e se olha)!

Mas, para meu desencanto/o que era doce acabou/tudo tomou seu lugar/depois que a banda passou.
Eu voltei pro meu computador e minha coluna voltou a doer. Moro nessa casa há um ano e ainda não tenho uma cadeira. Me senti mal por gastar o resto do dia ali. Preciso parar com isso.

04/12/12

terça-feira, 16 de outubro de 2012

o disco, de todo o coração



Nós percorríamos a estrada escura, que era iluminada pelos carros que passavam com farol alto vez em quando e pelo dvd do “neguinho cheiroso”. Ali, no banco de trás, eu via a chuva fina cair no para-brisa, ouvia “fica dentro do meu peito sempre uma saudade” e meu coração se enchia de emoção. E não era só porque aquela música era linda de verdade, mas porque aquele caminho era o início de uma trajetória decisiva e bonita para nós. Enquanto o asfalto crescia na nossa frente, eu pensava em todas as coisas (ou em todas que a minha memória permitiu lembrar) que nos fizeram ser quem somos e que nos conduziam até ali. Pensava que o “ali” viria cheio de novidades, pessoas de bem e desafios. Eu ficava feliz em segredo por ter ao meu lado 4 (5, com a presença espiritual do Wallace) das pessoas que habitavam o topo no hall dos mais especiais da minha vida e que foram responsáveis, de um jeito natural, pela minha formação como ser humano e como cristã. E quando eu ousei temer toda-essa-coisa nova; nesse exato momento, a minha linha de raciocínio foi quebrada por um silêncio rápido do pause, seguida de uma oração espontânea, importante e tranquila puxada pelo Pedro.
Começamos a agradecer e colocar nos braços de Deus toda a nossa alegria e gratidão pela Sua sabedoria em nossas vidas. E no meio da onda de calor que o Espírito Santo gerava, no meio daquela força leve que pairava nas nossas cabeças, corações e bocas, eu entendi de uma vez que aquele não era o caminho que conduzia ao nosso sonho. Era pro de Deus. E que nós, humilde e alegremente, existíamos para realizá-lo. E por ser sua construção um projeto divino, nada e ninguém no mundo iria nos fazer desistir.


É muito bom ganhar mais uma família em forma de selo (e música). Assumimos o compromisso de materializar a canção: o fruto que é Dele e para Ele. Que venham as guias, as fotos, os encartes, as viagens, a criação: a gente já arregaçou as mangas e estamos de peito escancarado pra percorrer quantas estradas mais sejam necessárias e contar o porquê da gente ser tão feliz. 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

vida trifásica

agachei-me ao chão da rodoviária

vi as arcadas dentárias das pessoas
de baixo pra cima

as sujeiras detalhadas dos sapatos
de cima pra baixo

e os olhos da criança
no meio

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

em construção

É que não posso mais fugir das palavras. Elas andam me cercando em cada experiência simples que vivo; ficaram por ali, me rodeando com a sua singeleza de quem sabe chegar e me paqueram, me seduzem...até que e não sou mais capaz de resistir e me deixo desfalecer em seus braços lânguidos, limpos.

Toda vez que isso acontece, há um cumulativo de sensações guardadas, desesperadas pra sair, mas que ainda não amadureceram de vez. Então, o receio. Receio de sacar a folha em branco e vontade de manter sua integridade sem acrescentar um risco sequer. O que não canso de aprender é o quão inevitáveis são os planos de Deus. Faça eu os passeios que fizer, conheça os caminhos que eu julgue corretos – são sempre desvios para um destino final.

E é por isso que não posso deixar de registrar todas as maravilhas, que docemente foram concedidas a mim.

São as bolas murchas penduradas à janela da cozinha que estão ali para lembrar o festejo alegre de vida e juventude do meu velho. Com a festa, os sorrisos e tudo o que eles implicam. Havia que se arranjar um pretexto para a reunião de gente estimada num pedaço de metro quadrado, que agora era maior e que precisava fazer-se conhecido. Pois os chapéus rubro-negros estavam ali para provar que a alegria habita essa casa. E não apenas no "muitas felicidades, muitos anos de vida" – também lá, mas na índia recém-pintada e emoldurada, no pavê de pobre e no forró sobre o azulejo.
E permaneceu a alegria até a semana seguinte – tendo feito intervalo nos stresses pré-traumáticos de um projeto. Que coisa bonita ver o meu amigo prostrado diante da cruz do nosso Senhor. Que alegria ao ver um novo (quase) sacerdote, a postos para a missão que Deus lhe confiou. Fez-me lembrar o quão preciosas são as vocações e como é importante orar por elas. Tamanha irradiação percorria meu corpo trinta vezes a cada milésimo de segundo e eu não sabia explicar (que pretensiosa eu, querendo explicar os dons do Espírito).

Certo é que vieram as alegrias. E ali permaneceram e modificaram a vida em mim. E permanecem. E eu não preciso mais escrever.

em 15/08/11

domingo, 26 de junho de 2011

prelúdio

há muitas palavras
neste silêncio metafísico:
eterno,
de certezas e verdades

ólá
e não é preciso mais
chegamos como quem chega
à lua
lentos e vislumbrados

e como se não bastasse
tanta música e pausa tanta
o encontro nos encontra
arrebata-nos e permanece

"renda-se", disseste
como negar o pedido
de um olhar extasiado?

fico, não calo, adormeço
pois é mar dentro de mim
que insiste em rebentar

segunda-feira, 30 de maio de 2011

listen to the music

Ando tendo um distúrbio que, de tão constante, merece uma digivolução conceitual: fones de ouvido.

A função do benedito é a aquela que os nossos amigos (?) funkeiros desconhecem: particularizar o som. Tenho lá as minhas teorias fajutas sobre os prós e contras dessa funcionalidade, já que ela , apesar de benéfica em sua grande parte, acaba prejudicando as relações humanas.

Mas a discussão não é essa. Acontece que, os estéreos estão lá, nos meus ouvidos, enfiados na concavidade orelhudística, ou transpassando a juba e me fazendo carinho com a espuma, quando, de repente...percebo não estar escutando nada. Isso mesmo, meus camaradas. Eu, aquela menina cabeluda, que tanto gosta de música, simplesmente sofre um lapso de existência e pára de utilizar a coisa como deveria ser.

Deixe-me explicar.

Quando eu retiro o portátil e perco um tempo desenrolando os fios, a intenção é aquela, nobre, que todos conhecemos e concordamos. Aperto o play, seja ele do meu celular ou da minha tela LCD (infelizmente eu não possuo um ipod, só um mp4 com uma mancha laranja na tela, no formato de um chafariz, que não me permite “ver” o que eu estou ouvindo), e inicio a apreciação ou alienação musical como todo bom ouvinte. É quando acontece. E eu não sei a que horas, à que altura da estrada, em que pesquisa ou conversa no facebook eu estava quando a playlist acaba. Quando dou-me conta, o objeto está lá, inutilizado, estranho, há não sei quanto tempo.

Vim aqui pra externar a coisa, por causa da repetição desse acontecimento. E, de recorrente, me dispus a analisar. Eis que sofri a epifania. Atribuí uma nova utilidade ao brinquedinho (agora posso chamá-lo do que eu quiser). Eu preferi definir isso como apego.

O fato de estar com o fone quieto arressoando nos tímpanos, não significa, necessariamente, a interrupção do som. Já diria Wisnik - arrebatando meus sentidos -, que o ruído é som; silêncio é música. E na quietude plena e engraçada da não-música na cabeça, cria-se espaço pra escuta universal da música no ambiente. E what an experience a descoberta de um mundo harmônico.

O apego, refere-se a, tendo descoberto isso em mim, precisar do fone para reviver a sensação. É claro, depois que percebi o acontecimento, passei a prestar atenção.

A última vez que me lembro, deu-se noite passada. Estava eu, marota, navegando, como uma boa e alfabetizada cibercidadã que sou, quando, BANG: fones silenciosos. Ok, hora de curtir a descoberta. Cooler do computador, cigarras, caminhão do lixo, cachorros latindo e gemidos.

Gemidos? Deparo-me com mãe e pai (calma, leiam o resto da história) dormindo (ufa), com a TV ligada no Mulstishow. Hora do soft porn. Levei um susto, mas logo entendi que já dormiam na frente da televisão muito antes da sacanagem começar. A minha mãe acorda confusa e dispara um “o que é isso, meu Deus?” que me faz rir. Desliga o aparelho. O silêncio-música aumenta, aumenta...até que me atordoa.

Então, eu me rendo. Abro a pasta mais próxima e boto pra tocar qualquer coisa.

Preciso de drogas mais pesadas. Preciso dos acordes.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

ainda não passou, mas vai passar.

O subjetivo impera em quase todas as partes do processo. A inteligência emocional toma o lugar de todos os sentidos humanos conhecidos e nos torna dementes, doentes, dependentes... O apogeu da afetividade faz-nos sentir seres elevados, agraciados, onde nada, nem ninguém é capaz de compreender tamanha devoção. Tal entrega, dá a sensação de imortalidade, super-heroísmo, obra-prima. É riso, canto, louvação. É brilho, paz e eternidade! Até que...tudo desmorona. E não há nada escrito que comprove a promessa secreta que fizeram um ao outro. Não tem choro que convença. Não tem foto que mistifique. Não há relógio que manipule o tempo. É um desmembramento forçado e radical. Dói uma dor entranhada de gosto amargo na boca e nó na garganta que não se move, só se desfaz em pranto. Dá vontade de rasgar o peito e deixar sair essa coisa estranha e sem forma que se alojou. Dá vontade de matar quem esqueceu de contar que ia ser horrível. Dá vontade de se jogar do precipício só pra ver o que acontece. E a impossibilidade de tudo isso rompe ainda mais em dor. Deveria haver um contrato. Tudo objetivo, claro e organizado. Cláusula primeira: Fica acordado que ambas as partes prometem cuidar da felicidade um do outro; felicidade essa sem fim ou pausa. Cláusula segunda: É proibido o ciúme, a insegurança e a não-resolução. Parágrafo único: É vetada a promoção do sofrimento, de qualquer natureza, gênero ou grau e em qualquer momento. Concordemos, tudo seria mais fácil. Por favor, quando esse mundo existir, retirem a palavra "saudade" do dicionário. Até lá, eu dou um jeito de me recompor. Afinal, o que me resta sou eu. E assino em baixo.